sexta-feira, 15 de junho de 2012

Uma canção no deserto

O deserto é possivelmente uma das mais claras representações da ausência de vida e esperança. Beduínos e Tuaregues - povos do deserto - desenvolveram milenares técnicas de sobrevivência para resistirem à angustiante mistura de sol, calor e areia. Anos atrás atravessei a parte ocidental do Saara e, apesar do costume a temperaturas tropicais, nada me preparou para os 54 graus à sombra durante aquelas tardes. Lembro-me que o pensamento mais obsessivo e recorrente era simplesmente água, o elemento mais desejado em terras áridas. Davi escreveu o Salmo 63 no deserto de Judá enquanto fugia de Saul. Encontrava-se em um dos momentos mais constrangedores de sua vida. Além de estar no deserto, tomado pelo desconforto e temores natos ao ambiente, seu povo e rei o perseguiam. Contrariando a natural tendência do descontentamento de coração perante as caminhadas desérticas, Davi revela, ali mesmo na areia, que a sua alma tinha “sede de Deus”. Este parece ter sido o mais paradoxal pensamento que passou pela mente do salmista: a sede de Deus era maior que a sede de água. A busca pela presença de Deus era mais forte que qualquer outra carência humana. Quando em caminhadas solitárias e perseguidos pelos que antes eram mais chegados que irmãos, precisamos nos conscientizar desta verdade transformadora: precisamos mais de Deus em nossas vidas do que água no deserto. C.S. Lewis nos diz que “o amor é o princípio da existência, e seu único fim”. Com isto nos incita a pensar que o amor não é apenas o meio, mas também o propósito final. Somos convidados, em toda a caminhada cristã, a andar de forma paradoxal, em expressões de amor: perder a vida para ganhá-la; oferecer a outra face a quem nos fere; esperar contra a esperança; amar, e não odiar os inimigos; perdoar, mesmo perante óbvias razões para a amargura; desejar mais a Deus do que a água, mesmo quando se vagueia, foragido, por entre terras mais secas. É nesta caminhada que encontramos descanso verdadeiro. Davi não apenas fala da possibilidade de descanso em Deus, mas o experimenta. Os principais verbos nos versos 6 a 8 estão no presente. Davi se lembra, pensa e canta o descanso em Deus enquanto caminha - não apenas o planeja fazê-lo amanhã. Reconhecer que a presença de Deus é melhor que a vida parece ser o exercício mais transformador – de mente, coração e visão de mundo - que qualquer pessoa possa experimentar. Somos amados por Deus e este fato deveria ser definidor em como vemos a vida e o mundo ao nosso redor. Ser amado por Deus é entender que somos convidados a um relacionamento eterno, é perceber que estamos em lugar seguro e saber que não há nada melhor. A construção desta canção do deserto revela a alma de Davi. No verso 1 ele expressa que tinha sede de Deus. Nos versos 2 a 5 ele louva a Deus pelo Seu amor, que é melhor que sua própria existência. Nos versos 6 a 8 Davi descansa no Senhor e finalmente nos versos 9 a 11 ele declara sua confiança na vitória sobre os inimigos. Encontro-me rotineiramente com pessoas que, à semelhança de Davi, experimentam a solidão do deserto, o constrangimento da fuga e a incerteza de não saber para onde ir. A vida nestas horas torna-se mais lenta, opaca e pesada. Porém, justamente em momento assim a presença de Deus nos convida a crer um pouco mais, e nos encoraja a continuar caminhando. Em um relance olhamos para trás e percebemos que no passado o Senhor foi fiel, mesmo no dia mais escuro. Amanhã não será diferente. A presença de Deus sempre trás à memória o que pode nos dar esperança. Lutero, citado por C. J. Mahaney em seu livro “Glory do Glory”, nos diz que: “esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas” Que o Senhor se mostre presente em nossas vidas. Nestes dias o deserto se tornará lugar de alegria e descanso.

Por um cristianismo sem César

Os Evangelhos nos mostram que o centro do ministério de Jesus era cumprir a vontade do Pai. Toda sua vida foi devotada a servi-lo com amor, fazendo tudo conforme o plano de Deus, o Soberano. Uma das questões que muito têm me trazido à reflexão nesses últimos dias é a questão do capital envolvido na comunidade cristã, bem como a forma como ele é tratado em nossa sociedade. O centro da sociedade da qual fazemos parte é o capital. Compra-se, vende-se, tudo gira em torno do dinheiro. E é esse o ponto que quero destacar nos ensinamentos do Mestre sobre a nossa vida. Quero chamar sua atenção, leitor, para o que vemos em Mateus 22.15-22, onde Jesus nos dá uma lição de vida e deixa bem claro que os que ressuscitaram com Ele procuram as coisas que têm origem no alto (Cl 3.1-2) e sabem diferenciar o que é para Deus e o que é dessa vida. No trecho de Mateus em questão os enviados dos fariseus e de Herodes, que tentavam incriminar Jesus usando as próprias palavras do Mestre, vêm até Ele e lhe fazem uma pergunta: “É certo pagar impostos a Cesar ou não?” (v. 17). É importante lembrar que essa pergunta foi feita com a intenção de acusarem Jesus, dependendo da resposta, já que o mestre era visto como uma ameaça para o sistema em questão. Vamos esclarecer um pouco mais o contexto da época: a nação de Israel estava sofrendo sob o poder de Roma (Herodes era o governador daquela localidade) e ao mesmo tempo os fariseus – Judeus – esperavam a vinda de um Messias supostamente libertador político, que livraria Israel da tirania do governo romano. Agora, coloque-se no lugar de Jesus tendo dar uma resposta que não comprometesse um lado nem o outro. Que resposta você daria? Sua resposta seria evasiva? Você sairia sem responder à questão levantada pelos fariseus e herodianos? A pergunta era uma, digamos, pegadinha, já que se respondesse que não, correria o risco de ser preso como traidor de Roma, já se respondesse sim, seria visto pelos judeus como apoiador do regime tirano, logo, não seria Jesus o Messias prometido. Era uma questão difícil. Continuando a leitura do capítulo você verá que a resposta de Jesus é a mais surpreendente e profunda de todas. O Mestre pede que a pessoa que lhe perguntou mostre a moeda que era usada pra pagar o imposto (1 denário)[1]. Agora Jesus pede que lhe digam de quem é a imagem que está na moeda e a resposta óbvia é “de César”. Aí, então, Jesus aplica o golpe de misericórdia respondendo da forma que só a própria sabedoria saberia responder: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Jesus consegue com isso responder à pergunta que tinha o objetivo de incriminá-lo e seus acusadores o deixam admirados com sua sabedoria. Vimos a maravilhosa sabedoria de Jesus em se desvencilhar daqueles que procuravam lhe acusar de traidor, porém o mais impressionante é a grande sabedoria contida na resposta de Jesus e que podemos aplicar à nossa vida cristã. Vamos refletir sobre o “Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”? Quantas vezes nos vemos fazendo o contrário do ensinamento de Jesus, ou seja, dando a César o que é de Deus e a Deus o que é de César? Quando fazemos isso demonstramos que ainda não morremos para o mundo (Cl 3.1), mas estamos vivendo de acordo com o sistema de valores deste século. E é exatamente essa confusão que tem feito a igreja dos nossos dias perder sua essência. A igreja perde sua essência quando nós – seus membros – achamos que por meio das contribuições financeiras conseguiremos alcançar o favor de Deus sobre suas vidas e que por “darmos” a Deus ele é obrigado a nos devolver em dobre ou 7 vezes mais, como se estivéssemos pagando um tributo a um governante e cobrando de volta em saúde, saneamento, educação, etc. A igreja perde sua essência quando em vez de entregar a sua vida a Deus, entrega apenas os seus bens. Estamos passando por uma crise de identidade por não sabermos fazer essa diferença. Precisamos entender que o nosso Deus não precisa de moedas. Ele não deseja só o nosso dinheiro, ele quer toda a nossa vida. Em resumo, dar a Deus o que lhe é devido implica dedicar-lhe não o seu dinheiro, mas principalmente o seu tempo, a sua vida. Dar a Deus o que lhe é devido implica vivermos uma vida santa e de comunhão com o Eterno, fazendo o que lhe agrada, buscando em primeiro lugar os Reino de Deus e sua Justiça e tendo fé de que tudo do que precisamos para viver nos será concedido conforme sua vontade. Que vivamos um cristianismo sem César. Soli Deo Gloria!