segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Não, Caio Fábio, Jesus Não É Sua Chave Hermenêutica




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Por Yago Martins
Nas primeiras vezes que eu li o texto da Grande Comissão e vi Cristo dizendo que deveríamos ensinar os discípulos a obedecer tudo o que Ele ordenou, eu fiquei me perguntando onde o resto do Novo Testamento entrava nisto. Não bastaria ficarmos com aquilo que Cristo falou, e só? Se temos os ensinos do próprio Deus-Filho registrados, para que mais palavras de homens mortais? Com pouco tempo de fé, pude encontrar boas respostas para meus questionamentos infantis. Porém, muitas pessoas ainda estão confundidas com este assunto. Um exemplo de promotor deste tipo de confusão é Caio Fábio, que hoje tem arrebanhado para sua religião muitos seguidores e fiéis:
Eu estou em Jesus, eu não estou na Bíblia. [...] O cara que quiser que Jesus e a Bíblia toda deem certo tá danado. [...] Pela Bíblia é melhor a gente acabar esse programa porque está todo mundo danado. [...] eu não ando [conforme o texto bíblico], tanto quanto Jesus [...]. Quem quer andar com Jesus, é assim. Quem quer base bíblica, vira fariseu, joga pedra.[1]
Em outro lugar, Caio Fábio diz que aquilo na Escritura que não está afirmando ou que 1. Jesus é Deus, ou que 2. somos pecadores, não passa de capricho ignorando por Cristo:
É estranho como Jesus e os apóstolos não usaram a Bíblia como argumento de fé [...] Afinal, a Bíblia jamais seria a apologia de Jesus; posto que Jesus fosse o Verbo vivo e falando o que a Bíblia nem poderia sonhar em falar, revelar e dizer… Cristãos que vivem para defender a Bíblia ainda não conheceram Jesus mesmo! [...] Da Bíblia o que se pode dizer é que ela é fiel como Palavra apenas porque afirma que Jesus é Deus e eu sou dos pecadores o principal! O mais é um diletantismo ao qual Jesus jamais teria tempo e animo para se dar… Depois que o Evangelho entrou em mim a Bíblia passou a ser apenas um Testemunho, mas não o Testemunho! Sim, pois em mim o Testemunho é o do Espírito! [2]
Em outro momento, concordando que o Jesus dos evangelhos não se parece nada com o Jesus que Paulo apresenta em Romanos 9-11, chamando esta posição de “simples, sábia e sensata”, Caio Fábio diz que estes capítulos são “um apêndice de um surto paulino” que não se parece com nenhum outro escrito ou com a prática de Paulo. “Na minha opinião, Romanos 9, 10 e 11 são totalmente dispensáveis. Sabe porque? A descrição de Paulo, tentando explicar o inexplicável, criou uma bananosa filosófica”. Ele ainda diz que as palavras negativas do texto, como “odiou”, não cabem, pois “não parecem com o todo de Jesus”. “Eu prefiro ficar com Jesus, que não sendo Paulo”, pregou coisas diferentes. “Isso é o poder dessa chave hermenêutica”, diz ele. ”Meu amigo Paulo, eu lamento muito que você tenha tentado fazer essa viagem. Você não tinha nem linguagem. Você não tinha adequação”. ”É uma conversa que tem a ver com a dimensão de um homem judeu, psicologicamente maltratado, frustrado, perseguido, magoado”. Ele diz que vê, neste texto, “o surto do Paulo judeu”. Ele chama ainda, esta atitude de Paulo de uma “gafe” que empobreceu e enfeiou Deus. “quando Paulo coincide com Jesus, Paulo tá com tudo, quando Paulo fala como Paulo, eu olho um homem, um tempo, uma relatividade, uma circunstância”. Ele, literalmente, lança várias repreensões e conselhos ao apóstolo Paulo em vários momentos do vídeo [3].
A prerrogativa que ele e seus discípulos usam para tal posição é que eles possuem Jesus como chave-hermenêutica. Para eles, isso significa que só deve ser aceito como verdade Bíblica aquilo que for semelhante à imagem que eles possuem de Cristo. Se qualquer outro trecho da Escritura ensinar algo que, porventura, não pareça pertencer ao Cristo, então deve ser considerado anátema.
O que Caio Fábio e seus pupilos não conseguem perceber é que ter Jesus como nossa chave hermenêutica significa que nós vamos ler toda a Escritura procurando como cada ensino, cada doutrina e cada livro se relaciona com o Plano maior de Deus na redenção de Cristo, e não que vamos solapar tudo aquilo que não gostamos na Escritura com a desculpa de que “Jesus não pregaria isso”. Assim, uma constatação torna-se inegável: praticamente todos que advogam ter Jesus como chave hermenêutica são ímpios que leem a Escritura desconsiderando tudo aquilo que suas mentes carnais odeiam. Você encontra esta loucura nos blogs e comentários de tais homens. Ter Cristo como chave hermenêutica deveria nos motivar a encontrar como a história do Evangelho está prefigurada, confirmada, anunciada, ilustrada ou ensinada em cada página da Bíblia, e não nos fazer arrancar da Escritura tudo aquilo que a gente acha que Jesus não diria. Aqueles que dizem que as palavras de Jesus são mais importantes que as de Paulo, não entenderam as palavras de Jesus.
Eu, sinceramente, não entendo como uma pessoa inteligente pode cair em erro tão crasso. A igreja está fundamentada na doutrina dos Apóstolos (Ef 2:20). Nós não vimos Jesus pessoalmente, eles sim. Por isso que Pedro e João podiam falar sobre “as coisas que vimos e ouvimos”, pois eles estavam lá, e atestaram com sangue o que pregaram. Assim, como alguém comentou no meu Facebook certa vez, só pode ser um louco aquele que cisma em separar o ensino Bíblico do ensino de Jesus, a autoridade bíblica da autoridade de Jesus e a visão bíblica da visão de Jesus. Os discípulos precisam de toda a Escritura, e não de parte dela. É um verdadeiro insulto a Jesus dizer que nada, a não ser parte do que foi registrado de Sua Revelação ao longo da história bíblica – a encarnação – vale a pena considerar como Palavra do Senhor. É como se dissessem que amam tanto suas esposas que não se importam com as mães, amigos, família, conversa ou qualquer coisa que não seja ela própria. Estes caem na condenação de Jesus, através de Paulo, quando condena aqueles que, dizendo ser apenas de Cristo, se recusavam a ouvir o que diziam os apóstolos (ver 1 Co 1:10-17).
Cristo prometeu aos seus apóstolos não apenas que o Espírito Santo os faria “lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14:26), mas também que o Espírito Santo “vos ensinará todas as coisas” (Jo 14:26) e “vos guiará a toda a verdade” (Jo 16:13). Os apóstolos receberam de Cristo, através do Espírito, mais daquilo que o Senhor desejou que soubéssemos. O próprio Jesus deixou claro que ensinaria mais aos Apóstolos mesmo após Sua morte e ascensão. Paulo deixa isso claro aos Gálatas: “Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado; pelo contrário, eu o recebi de Jesus Cristo por revelação” (Gl 1:11-12). É por isso que o apóstolo Pedro podia dizer que “o mandamento do Senhor e Salvador” foi “ensinado pelos vossos apóstolos” (2 Pe 3:2), além de dizer que os escritos de Paulo estavam equiparados com todo o Antigo Testamento, chamando-os de “Escritura” (2 Pe 3:16). Paulo podia dizer: “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1 Co 14.37). O apóstolo agradecia a Deus sem cessar pelos Tessalonicenses: “ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram não como palavra de homens, mas segundo verdadeiramente é, como palavra de Deus” (1 Ts 2:13). Paulo ensinava “não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito” (1 Co 2:13). Paulo não poderia ser mais claro: “Cristo fala por meu intermédio” (2 Co 13:3).
Outros livros também entram neste escopo. O próprio Paulo, em 1 Timóteo 5:17,18 diz fazer uma citação da “Escritura”, e segue fazendo duas referências: uma a Deuteronômio 25:4 e outra a Lucas 10:7 (usando até o mesmo fraseado grego)! Para o apóstolo, os escritos neotestamentários dos evangelhos também eram Palavra de Deus. Tanto os Evangelhos como as Epístolas no Novo Testamento vêm a nós com a autoridade de Jesus, e Ele quer que nós ensinemos essas coisas aos discípulos.
“Somos seguidores de Cristo ou de Paulo?”, podem perguntar alguns. “Como podemos seguir o ensino de outros homens além de Jesus?”, já me foi questionado. Respondo, com sinceridade, que Cristo é meu único Senhor. No entanto, tudo o que sabemos sobre Cristo vem de Paulo e dos outros discípulos de Cristo. Se não acreditarmos nestes, não nos sobra nada dAquele. Como alguém pode dizer que só segue Jesus, e não os apóstolos, se todos os registros que possuímos sobre Jesus provêm dos apóstolos e de seus companheiros? Cristo nunca escreveu sobre si. Tudo o que temos sobre Ele passou pela mão de seus discípulos primitivos.
Crer em Jesus está definitivamente ligado a crer nos Apóstolos e em seus companheiros. Se você não acredita na doutrina de Paulo, de Tiago, de Pedro, de Lucas, de Marcos, de Mateus, de João e de Judas, como você pode acreditar nos registros que alguns deles fizeram do Messias? Se Paulo disse algo em Romanos ou aos Coríntios que foi fruto de seus preconceitos ou de sua criação judaica, por que ele não poderia ter feito o mesmo ao instruir Lucas em seu registro do Evangelho? Se Pedro não é digno de toda a nossa confiança, ou se sua doutrina é inferior ou secundária, como podemos dar tanta atenção àquilo que Marcos aprendeu dele e registrou no Evangelho? Se Tiago poderia errar, por que não Mateus? Se João se enganou em suas epístolas ou no Apocalipse, por que acreditamos em seu registro da vida do Logos? A verdade que muitos tolos ignoram é que, ou você aceita o Novo Testamento por completo, até a última letra, ou você não tem Jesus, não tem cristianismo, não tem Bíblia, não tem fé e não tem salvação. Ou temos o Novo Testamento por completo ou não temos Testamento nenhum.
Deve-se admitir, então, que se vamos ter uma religião não doutrinária, ou uma religião doutrinária fundamentada meramente em verdades gerais, isso significa que não somente temos que nos livrar de Paulo, da igreja primitiva de Jerusalém, mas também de Jesus.[4]
Infelizmente, ainda há, em pleno século XXI, quem tente opor Jesus aos outros escritores bíblicos. Como disse Gresham Machen, tem-se a impressão que o liberal substitui a autoridade da Bíblia pela autoridade de Cristo. Tal homem diz que não pode aceitar o que ele considera um ensino imoral do Antigo Testamento ou um argumento sofisticado de Paulo, em oposição os simples e morais ensinos de Jesus. Assim, ele se considera o mais puro verdadeiro cristão, uma vez que, rejeitando todo o restante da Bíblia, ele só depende de Cristo[5].
Paulo deixa claro que as suas epístolas também são coisas que Jesus agora nos ordena, de tal modo que “aquele que rejeita estas coisas não está rejeitando o homem, mas a Deus” (1 Ts 4:8). Você entendeu bem o que acabou de ler? Você nega a Deus se ignora todo o escopo do Novo Testamento! Como comenta Thomas Edwards: “Quem se recusa a ouvir os apóstolos de Cristo recusa-se a ouvir o próprio Cristo e atrai sobre si seu descontentamento”[6]. Homens como Caio Fábio e sua corja, que tratam o que é revelado após Jesus como contaminado com o machismo, judaísmo ou o diabo estão, na verdade, negando a Deus. O destino dos que tal coisa fazem é certo e inequívoco, a menos que se arrependam de sua blasfêmia. Parafraseando o que o Dr. Jay E. Adams diz sobre Paul Tillich, durante uma das suas preleções na Conferência Fiel para Pastores e Líderes, em 1989: “Ler ou ouvir um sermão de Caio Fábio é ouvir o que o inimigo tem a dizer”[7].

Objeções à imutabilidade de Deus


Por Jorge Fernandes Isah 

Há aqueles que não acreditam no atributo da imutabilidade, confundindo Deus com um ser estático, imóvel. A imutabilidade não implica, jamais, em inatividade, em um Deus imóvel e passivo. Sabemos que Deus é o Senhor da História, de que ele age ativa e incessantemente, de forma que, se não fosse por ele, nada do que existe se manteria e sustentaria. Ele é aquele que sustenta todo o universo, mesmo as partículas invisíveis e muitas coisas que o homem ainda desconhece da criação. Deus é imutável em seu ser e propósitos, o que não quer dizer que ele esteja paralisado, mas que tudo acontecerá conforme a sua vontade imutável, segundo o seu decreto imutável, de forma que tudo é por ele e para ele. Ainda que os planos divinos se desdobrem e se realizem progressivamente no tempo, eles acontecerão conforme a sua imutável vontade, sem que possam ser revertidos, anulados ou modificados.
Quando alguém diz que a imutabilidade é um “engessar” de Deus, ele não entende do que está falando. Deus decretou, ordenou, planejou e executou todas as coisas, sem que elas possam não-acontecer. Jó, mesmo diante do sofrimento pelo qual passava, reconheceu que Deus tudo pode, e nenhum dos seus planos pode ser frustrado [Jó 42.2]. Salomão também compreendeu esse atributo maravilhoso: “Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho do Senhor permanecerá” [Pv 19.21]. Ainda mais contundente é a afirmação do profeta: “O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará... Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” [Is 14.24, 27 – ver Is 43.13].
Ele não criou o mundo e abandonou-o. Mas todas as coisas surgem e acontecem pelo seu santo, perfeito e imutável projeto; cada coisa no universo existe, se move e vive pelo agir divino, pelo seu poder infinito de ordená-las. Porém, sempre aparecerá alguém a dizer que Deus mudou ou se arrependeu. Mas o Deus perfeito, infinito, santo e imutável pode mudar? Haveria contradição entre o que ele mesmo afirma em sua palavra e entre o que alguns afirmam? Deus abriria mão da sua imutabilidade, o que vale dizer, da sua divindade, para ser o não-Deus? Por que ele faria isso? E, pode Deus deixar de ser Deus? A verdade é que, como sempre, a compreensão humana está sujeita às falhas e imperfeições naturalmente disponíveis em seu ser. Quando o homem deixa de reconhecer em Deus aquilo que ele mesmo diz de si mesmo para dar vazão às suas elucubrações, como se fosse possível a Deus ser comparado aos homens, as chances de acertos, mesmo mínimos, tornam-se irrisórias. O que muitos fazem é transferir para ele parte da natureza humana, confundindo a linguagem humana, pela qual Deus se deu a conhecer ao homem, com o caráter e a natureza divina.
Os nomes de Deus, que foram estudados algumas aulas atrás, atestam a manifestação divina de várias formas, mas em todas elas, ele permanece imutável. Sendo Criador, Senhor, Salvador, Juiz, Libertador, Providente, etc, Deus se revela aos homens de maneiras diversas, em cada curso da história ele poderá se manifestar através de características diferentes, contudo, permanecendo o mesmo.
Na Escritura encontramos Deus se dando a conhecer a partir de sentimentos e reações humanas, o que se chama de antropopatismo, que nada mais é do que a atribuição a ele de qualidades humanas, ou análogas a outros seres; ele é chamado do “Leão da Tribo de Judá”, Rocha, Pastor, Refúgio. Com isso não se quer dizer que ele seja um mamífero ou um mineral ou uma casa. São recursos de linguagem que o próprio Deus, em sua misericórdia e bondade, se deu a comparar para que pudéssemos conhecê-lo. O ser divino, como já estudamos, é infinito, infinitamente perfeito, e podemos conhecê-lo limitadamente [ainda que ele se revele fundamentalmente como Deus]. De maneira simples, Deus atribui a si mesmo alguns dos sentimentos humanos, mas que em nada têm a ver com mudança de personalidade, propósito ou natureza. Trechos como os de Gn 6.6-7, Ex 32.14, Jr 18.8-10 e Jn 3.9-10, por exemplo, revelam a imutabilidade divina, ao contrário do que se imaginaria isolando-os e não os relacionando com outras partes da Escritura. O plano ou decreto eterno permanece inalterado, não estando sujeito a variações por conta das circunstâncias; mas dentro do seu plano, Deus mudou de um curso de ação para outro curso de ação, ações essas que são imutáveis, e que foram estabelecidas pelo próprio Deus. Na verdade, a mudança não é em Deus, mas no homem e nas relações que o homem tem com Deus.
No Livro de Jonas, Deus ordenou que os ninivitas se arrependessem do seu pecado, caso contrário, em quarenta dias, seriam destruídos. Ao ouvirem a mensagem do profeta, o rei e o povo se arrependeram, convertendo-se do seu mau caminho, e Deus anunciou que não os destruiria mais. Houve alguma mudança no propósito divino? Não. O trato dos ninivitas com Deus é que mudou, de forma que a ira do Senhor não foi lançada sobre o povo. Mas sabemos que tanto o arrependimento como o desviar-se dos maus caminhos da cidade de Nínive estavam dentro do plano divino. A pregação de Jonas, os ninivitas crendo na palavra profética, e, através da qual se arrependeram, são particularidades que acompanham a ação, o acontecimento, dentro do plano divino, o qual é imutável. Vejam que aqui estão presentes também outros atributos divinos, como a misericórdia, a graça, o perdão de Deus, mas tudo segundo a sua vontade eterna e soberana, de maneira que não haveria como os ninivitas não se arrependerem. Contudo a Bíblia também nos relata sobre povos que foram chamados ao arrependimento e mantiveram-se endurecidos, e sobre eles sobreveio a ira de Deus, consumindo-os. Em nenhum dos casos há mudança de propósito, de desígnio, de projeto, mas de atitudes.
Outro trecho muito usado para defender a ideia de que Deus é imutável, acontece no livro de 2 Reis. Temos o caso do rei Ezequias, a quem o Senhor disse, através do profeta Isaías, que morreria por causa de uma doença. Ezequias então orou a Deus; mas o segredo de Deus era que ele o curaria e lhe daria mais 15 anos de vida, como de fato sucedeu. Tal acontecimento não indica contradição ou mudança. A declaração foi feita para humilhar a Ezequias e revelar-lhe a completa dependência que tinha de Deus, levá-lo a orar, e, assim, a imutável vontade divina fosse concretizada [2Rs 20.1-7].
De qualquer forma, a ideia que a Bíblia nos dá do arrependimento divino é precária, mas suficiente para nos revelar a singularidade e infinitude divinas, porque há coisas em Deus que são próprias somente dele, e que podem até ter alguma semelhança com as das criaturas, de forma que são expressos como se fossem delas, mas não são suficientes para explicar ou definir o que é exclusivo de Deus. Por exemplo, o termo hebraico traduzido para "arrependimento de Deus" é Nãham, que traduzido quer dizer tristeza ou consolo. Já o termo hebraico para o arrependimento humano, o voltar-se do pecado para Deus, dando-nos a ideia clara de remorso, é Shûb. Ainda que Deus se arrependa, é-nos claramente revelado que o seu arrependimento é díspare do nosso, havendo a possibilidade de existir elementos parecidos, mas, com certeza, não há igualdade entre eles, por tudo o que Deus é e por tudo o que somos. Mesmo que Deus tenha sentimentos parecidos com os nossos, em seu ser perfeito, eles também são perfeitos, e jamais serão iguais aos dos homens.
CONCLUSÃO
A imutabilidade de Deus nos dá, seres mutáveis e falíveis, a certeza de que somente nele encontraremos o repouso necessário, a confiança necessária, a esperança necessária, o ânimo necessário, a vida necessária, e tudo o mais capaz de nos trazer a segurança de que, apenas nele, estaremos completamente seguros. Mas isso não se baseia em nossa percepção ou em nossa capacidade de autoindução [como uma técnica de autoajuda], mas na certeza de que ele não muda nos compromissos e promessas que jurou, em seu nome, realizar por nós, e para nós.
Confiar que temos alguma coisa que possa agradá-lo, quando não há nada em nós que possa agradá-lo, é transferir para nós o mérito que é somente dele. Por mais que façamos, por mais que julguemos ter feito em prol do reino de Deus, isso não será nada diante dele, pois é ele quem, em seu plano imutável, nos capacitou e nos deu a realizá-lo. Afinal, como seres caídos, miseráveis, tolos, pecadores e mutáveis podem se aproximar do Deus absoluto, infinito e perfeito, sem serem consumidos? Apenas através do Filho Amado, Jesus Cristo, pelo qual somos feitos capazes de não somente nos aproximar dele, mas de tê-lo como Pai, e de ser tratado por ele como filhos. A obra maravilhosa de Cristo nos ergueu, limpou e curou, de maneira que fôssemos aceitos, reconciliados eternamente com ele. E isso transcende todo o tempo, ainda que realizada no tempo, pois é fruto da sua vontade e projeto eternos e imutáveis.
Glória e honra e louvor ao Deus bendito que, dia após dia, nos revela a sua misericórdia e graça e bondade infinitas para com o seu povo; sem que esse povo tenha feito algo para merecê-lo.