quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A hora de desistir

Desista1
Por Maurício Zágari
É muito comum ouvirmos em nosso meio evangélico que o cristão em tudo deve perseverar, que precisa buscar seus sonhos e nunca, sob nenhuma circunstância, desistir. Não creio nisso. Simplesmente porque a Bíblia não diz isso. A perseverança deve ser na santidade e na obediência, sempre. “Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida” (Ap 2.10). Mas, em se tratando de sonhos humanos, isso não se aplica. Lendo as Escrituras, vejo que o cristão deve ter ciência de que, em certas situações, chega um momento em que precisa desistir, abrir mão do que ele quer. Podemos ver muitos exemplos, como o de Jesus, que desistiu de pedir ao Pai que afastasse dele o cálice do sofrimento (Mt 26.36-46). Ou Paulo, que desistiu de orar a Deus pedindo que tirasse o espinho de sua carne (2Co 12.7-10). Sim, há ocasiões em que o Senhor espera que nos conformemos e entreguemos os pontos. Certas esperanças não devem ser alimentadas, em especial porque nosso coração é enganoso e não sabemos muitas vezes qual é a vontade divina. Assim, se o que almejamos difere do que Deus almeja, tenha a certeza: o melhor é desistir. Perca a tua esperança, pois ela está depositada em algo que não condiz com o querer do Senhor.
A pergunta imediata que se segue é: como posso saber se meu sonho está de acordo com que Deus quer? Há dois critérios principais: o que a Bíblia diz e a paz no coração.
A vontade de Deus está revelada nas Escrituras. Então conheça a Bíblia. Estude-a. Veja os princípios que ela defende. Nem sempre há uma resposta objetiva para a sua situação, mas há princípios bíblicos que podem responder teu questionamento e nortear teus sonhos e tuas metas. A resposta nem sempre vem num versículo claro, mas num conceito transmitido ao longo de toda a Escritura. Por exemplo: não existe nenhuma passagem bíblica que fale que não devemos fumar crack, mas há um princípio claro acerca dos cuidados que devemos ter com nosso corpo e com nossa mente. Ou, então, você tem aquela dúvida que assola milhões de solteiros: devo namorar aquela pessoa que não é cristã, na esperança de que ela vai se converter? É para persistir nesse relacionamento ou não? Aí você vai à Bíblia e vê que ela é clara sobre o fato de que esse é um namoro em jugo desigual (2Co 6.14-16), mas a Escritura não te dá a certeza de que o (a) jovem será salvo (a). Na dúvida, vá no certo, desista do erro (até porque Deus não precisa que você namore ninguém para que aquela alma seja alcançada, se o Espírito de Deus quiser salvá-la usará até uma mula).
O segundo critério é a paz no coração. Paulo escreveu: “Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração” (Cl 3.15). Portanto, se você vive uma situação de constante atribulação, é hora de pegar o primeiro retorno e dar no pé. Isso acontece muito, por exemplo, em relacionamentos afetivos. Sabe esses namoros que mais parecem dramalhões mexicanos, com arroubos de sofrimento, fins e recomeços, rompimentos dramáticos e voltas novelescas? Onde está a paz? Se não há paz, não insista, desista. Ou quando tem de fechar um negócio mas fica em agonia sobre se assina o contrato ou não? Ou, ainda, na decisão entre seguir a carreira que vai realizar você ou a que vai te dar dinheiro? Não insista no que agonia, desista.
Quando comecei a pensar no assunto para escrever este post, calhou que assisti ao belíssimo filme “A vida secreta das palavras”. Durante o longa-metragem, um personagem menciona um livreto curto e exuberante, “Cartas de amor de uma freira portuguesa”, de Mariana Alcoforado, e imediatamente me lembrei que essa obra trata exatamente disso: a necessidade de abandonar sonhos que dominam nosso ser com fúria. Resolvi reler essa pequena coletânea de cartas enviadas por uma freira ao homem que ama, que jamais voltou a encontrar pessoalmente e com quem nunca pôde se casar. A história é real e, naturalmente, a experiência de Mariana tem aspectos nada louváveis em termos cristãos (como você perceberá na leitura), mas a mensagem sobre a importância da desistência em certas situações está lá com uma força sem igual na literatura. Resolvi compartilhar o curto PDF desse livreto. Você pode fazer o download gratuito clicando neste link: < Cartas-de-Amor-de-uma-Freira-Portuguesa >. Minha recomendação é que reflita sobre a trajetória de Mariana, da total esperança à desistência. Em sua última carta, fica claro que desistir da esperança seria a única decisão que daria a ela forças para seguir vivendo. Não sei dizer se a distância do amado lhe trouxe a paz que ela desejava ao coração, mas pelo menos trouxe um tipo de paz meio genérico, catatônico e artificial – porém, suficiente para lhe dar forças para seguir.
Temos de saber a hora de render nossa vontade. Se Deus diz “não”… é não. Se insistirmos no “sim”, só o que conseguiremos é uma vida de sofrimento e dor à espera de algo que jamais chegará.
Recomendo que leia o livreto. É uma leitura que não dura mais que 15 ou 20 minutos. Depois sinta em si o sofrimento e a frustração de Mariana. Em seguida, veja se o melhor não foi ela dar adeus a seu sonho, que alimentou tão desesperadamente por tanto tempo. Por fim, pense se na tua vida há algum sonho que esteja sendo alimentado à toa, porque vai contra o desejo do coração de Deus. Se você tiver a convicção que perseverar nesse objetivo é a vontade do Senhor, vá em frente. Mas… e se não for? Nessa hora, entregue-se em sacrifício vivo ao Senhor e diga:“Seja feita a tua vontade” (Mt 6.10). E, se a vontade dele for que você abra mão de certos objetivos e sonhos, perceba que abandoná-los não significa falta de fé, de fidelidade ou de perseverança: é o cumprimento da boa, perfeita e agradável vontade de Deus e, certamente, é o que te trará felicidade.
Persista. Mas, se não for da vontade do Senhor, desista. E, aí sim, você estará cumprindo a vontade do Senhor. Sabendo que, muitas vezes, a desistência do que você tanto queria pode se tornar a maior bênção da sua vida.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício