terça-feira, 29 de outubro de 2013

A TEOLOGIA DA REFORMA PROTESTANTE



Por Marcelo Berti

A Teologia da Reforma Protestante foi a base do ataque dos reformadores, em especial Calvino e Lutero, aos erros promovidos pela Igreja Católica durante o período conhecido como Idade das Trevas. A Reforma foi, de um ponto primeiramente eclesiástico, um chamada ao retorno das escrituras: Era o momento de romper com o paganismo religioso da Igreja Católica e estabelecer os valores e princípios das escrituras, centrados em Cristo, sua Graça, na Fé verdadeira e na Glória somente a Deus.
Estes cinco valores fundamentais conhecidos em Latim como Sola Scriptura, Solo Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria se tornaram o fundamento da Teologia Reformada, mas com o tempo veio a ser esquecida pela Igreja Evangélica no mundo. Por isso, em 20 de Abril de 1996 a Aliança de Evangélicos Confessionais reuniu-se em Cambrigde Massachusetts e na tentativa de resgatar os valores fundamentais da reforma redigiu uma explicação do que cada um desses princípios teológicos realmente significa, e conclamou a igreja evangélica no mundo a retornar a esses valores.
Essa redação, conhecida como a Declaração de Cambrigde, é apresentada na íntegra abaixo com o objetivo de levar os cristãos a relembrarem dos princípios estabelecidos pela Reforma Protestante e seu significado.
SOLA SCRIPTURA: A EROSÃO DA AUTORIDADE
Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja, mas a igreja evangélica atual fez separação entre a Escritura e sua função oficial. Na prática, a igreja é guiada, por vezes demais, pela cultura. Técnicas terapêuticas, estratégias de marketing, e o ritmo do mundo de entretenimento muitas vezes tem mais voz naquilo que a igreja quer, em como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os pastores negligenciam a supervisão do culto, que lhes compete, inclusive o conteúdo doutrinário da música. À medida que a autoridade bíblica foi abandonada na prática, que suas verdades se enfraqueceram na consciência cristã, e que suas doutrinas perderam sua proeminência, a igreja foi cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e discernimento.
Em lugar de adaptar a fé cristã para satisfazer as necessidades sentidas dos consumidores, devemos proclamar a Lei como medida única da justiça verdadeira, e o evangelho como a única proclamação da verdade salvadora. A verdade bíblica é indispensável para a compreensão, o desvelo e a disciplina da igreja.
A Escritura deve nos levar além de nossas necessidades percebidas para nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensino, não a expressão de opinião ou de idéias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.
A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser desvinculada da Escritura. O Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte da Escritura nunca teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A Palavra bíblica, e não a experiência espiritual, é o teste da verdade.
Tese 1: Sola Scriptura
Reafirmamos a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.
Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser veículo de revelação.
SOLO CHRISTUS: A EROSÃO DA FÉ CENTRADA EM CRISTO
À medida que a fé evangélica se secularizou, seus interesses se confundiram com os da cultura. O resultado é uma perda de valores absolutos, um individualismo permissivo, a substituição da santidade pela integridade, do arrependimento pela recuperação, da verdade pela intuição, da fé pelo sentimento, da providência pelo acaso e da esperança duradoura pela gratificação imediata. Cristo e sua cruz se deslocaram do centro de nossa visão.
Tese 2: Solus Christus
Reafirmamos que nossa salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.
Negamos que o evangelho esteja sendo pregado se a obra substitutiva de Cristo não estiver sendo declarada e a fé em Cristo e sua obra não estiver sendo invocada.
SOLA GRATIA: A EROSÃO DO EVANGELHO
A Confiança desmerecida na capacidade humana é um produto da natureza humana decaída. Esta falsa confiança enche hoje o mundo evangélico – desde o evangelho da auto-estima até o evangelho da saúde e da prosperidade, desde aqueles que já transformaram o evangelho num produto vendável e os pecadores em consumidores e aqueles que tratam a fé cristã como verdadeira simplesmente porque funciona. Isso faz calar a doutrina da justificação, a despeito dos compromissos oficiais de nossas igrejas.
A graça de Deus em Cristo não só é necessária como é a única causa eficaz da salvação. Confessamos que os seres humanos nascem espiritualmente mortos e nem mesmo são capazes de cooperar com a graça regeneradora.
Tese 3: Sola Gratia
Reafirmamos que na salvação somos resgatados da ira de Deus unicamente pela sua graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a Cristo, soltando-nos de nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte espiritual à vida espiritual.
Negamos que a salvação seja em qualquer sentido obra humana. Os métodos, técnicas ou estratégias humanas por si só não podem realizar essa transformação. A fé não é produzida pela nossa natureza não-regenerada.
SOLA FIDE: A EROSÃO DO ARTIGO PRIMORDIAL
A justificação é somente pela graça, somente por intermédio da fé, somente por causa de Cristo. Este é o artigo pelo qual a igreja se sustenta ou cai. É um artigo muitas vezes ignorado, distorcido, ou por vezes até negado por líderes, estudiosos e pastores que professam ser evangélicos. Embora a natureza humana decaída sempre tenha recuado de professar sua necessidade da justiça imputada de Cristo, a modernidade alimenta as chamas desse descontentamento com o Evangelho bíblico. Já permitimos que esse descontentamento dite a natureza de nosso ministério e o conteúdo de nossa pregação.
Muitas pessoas ligadas ao movimento do crescimento da igreja acreditam que um entendimento sociológico daqueles que vêm assistir aos cultos é tão importante para o êxito do evangelho como o é a verdade bíblica proclamada. Como resultado, as convicções teológicas freqüentemente desaparecem, divorciadas do trabalho do ministério. A orientação publicitária de marketing em muitas igrejas leva isso mais adiante, apegando a distinção entre a Palavra bíblica e o mundo, roubando da cruz de Cristo a sua ofensa e reduzindo a fé cristã aos princípios e métodos que oferecem sucesso às empresas seculares.
Embora possam crer na teologia da cruz, esses movimentos a verdade estão esvaziando-a de seu conteúdo. Não existe evangelho a não ser o da substituição de Cristo em nosso lugar, pela qual Deus lhe imputou o nosso pecado e nos imputou a sua justiça. Por ele Ter levado sobre si a punição de nossa culpa, nós agora andamos na sua graça como aqueles que são para sempre perdoados, aceitos e adotados como filhos de Deus. Não há base para nossa aceitação diante de Deus a não ser na obra salvífica de Cristo; a base não é nosso patriotismo, devoção à igreja, ou probidade moral. O evangelho declara o que Deus fez por nós em Cristo. Não é sobre o que nós podemos fazer para alcançar Deus.
Tese 4: Sola Fide
Reafirmamos que a justificação é somente pela graça somente por intermédio da fé somente por causa de Cristo. Na justificação a retidão de Cristo nos é imputada como o único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus.
Negamos que a justificação se baseie em qualquer mérito que em nós possa ser achado, ou com base numa infusão da justiça de Cristo em nós; ou que uma instituição que reivindique ser igreja mas negue ou condene sola fide possa ser reconhecida como igreja legítima.
SOLI DEO GLORIA: A EROSÃO DO CULTO CENTRADO EM DEUS
Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dele a nosso modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom em sentir-nos bem e a fidelidade em ser bem-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.
Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito.
Tese 5: Soli Deo Gloria
Reafirmamos que, como a salvação é de Deus e realizada por Deus, ela é para a glória de Deus e devemos glorificá-lo sempre. Devemos viver nossa vida inteira perante a face de Deus, sob a autoridade de Deus, e para sua glória somente.
Negamos que possamos apropriadamente glorificar a Deus se nosso culto for confundido com entretenimento, se negligenciarmos ou a Lei ou o Evangelho em nossa pregação, ou se permitirmos que o afeiçoamento próprio, a auto-estima e a auto-realização se tornem opções alternativas ao evangelho.
UM CHAMADO AO ARREPENDIMENTO E A REFORMA
A fidelidade da Igreja evangélica no passado contrasta fortemente com sua infidelidade no presente. No princípio deste mesmo século, as igrejas evangélicas sustentavam um empreendimento missionário admirável e edificaram muitas instituições religiosas para servir a causa da verdade bíblica e do reino de Cristo. Foi uma época em que o comportamento e as expectativas cristãs diferiam sensivelmente daquelas encontradas na cultura. Hoje raramente diferem. O mundo evangélico de hoje está perdendo a sua fidelidade bíblica, sua bússola moral e seu zelo missionário.
Arrependamo-nos de nosso mundanismo. Fomos influenciados pelos “evangelhos” de nossa cultura secular, que não são o evangelho autêntico. Enfraquecemos a igreja pela nossa própria falta de arrependimento sério, tornamo-nos cegos aos nossos pecados que vemos tão claramente em outras pessoas, e é indesculpável nosso erro de não falar às pessoas adequadamente sobre a obra salvadora de Deus em Cristo Jesus.Também apelamos sinceramente a outros evangélicos professos que se tenham desviado da Palavra de Deus nos assuntos discutidos nesta declaração (…).
A Aliança de Evangélicos Confessionais pede que todos os crentes dêem consideração à implementação desta declaração no culto, ministério, política, vida e evangelismo da igreja.

Desgraçando a graça



Por Leonel Elizeu Valer Dos Santos

“Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus…Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus.” Mt 4.4-7

É comum depararmos com coxos espirituais; digo, os que têm a perna da graça “sarada”, e a da sã doutrina, atrofiada. Chegam a opor Jesus à Bíblia, quase como se fossem excludentes. Essa seria legalista, fria; enquanto Ele é amor, graça, salvação. Afirmam a irrelevância da vida pregressa dos candidatos a salvos como se fosse uma revelação ao invés do “óbvio ululante”. Qualquer pecador, por mais sujo que esteja traz em si os “méritos” necessários para ser salvo; está morto, e precisa reviver, como o pródigo.

Entretanto, quando essa obviedade pacífica passa a ser argumento contra a disciplina dos salvos, surgem as primeiras digitais da vigarice espiritual e intelectual. Como as instruções normativas aos salvos derivam basicamente das epístolas, não diretamente de Jesus, seriam irrelevantes, de menos valia; quando não, contaminadas pelo farisaísmo; de Paulo, sobretudo.

Ora, nos textos supra, o Senhor derrota satanás com palavras “de Moisés”, ao invés de criar algo novo, mesmo podendo. Mais que isso; quando o Allan Kardec da vez tentou criar o espiritismo, o Senhor remeteu a Moisés e aos profetas como melhor alternativa: “…Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos.” Lc 16.29.  Embora, aqueles seriam do Velho Testamento, não estavam obsoletos a ponto de ser desconsiderados.

Suspeito que essas ênfases na graça não visam colocar em relevo o óbvio; mas, pacificar sem mediador ao pecador contumaz. Claro que renovamos todos os dias nossos erros, e, paralelamente a misericórdia se “renova a cada manhã”; como enfatizou Jeremias. Isso não basta para que pretendamos andar sem disciplina, como adverte a epístola aos Hebreus;“Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos.” Hb 12.6-8.

Na verdade Cristo tornou a Lei mais rigorosa em Sua releitura; ensinou a ir além das expressões visíveis buscando as sementes, no coração. A diferença em relação ao Antigo Testamento é que Seu sacrifício basta, não carece ser renovado; nosso arrependimento, sim. O Advogado não cria processo sem petição do cliente.

O legalismo não consiste em observar a Lei; antes, em descansar na aparente observância ignorando a intenção espiritual no preceito da mesma. Por isso o Senhor advertiu: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” Mt 5.20.

Não se trata de pleitear salvação pelas obras; mas, de evitar que a graça seja barateada a tal ponto, que venha a prescindir dos devidos frutos que testificam o que ela fez. “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” Ef 3.10.

O Renovo da “raiz de Jessé” não brotou para fazer sombra nas árvores adoecidas ; antes, para mudar suas naturezas. Onde isso não ocorreu, resta trabalho a ser feito; “… todas as árvores do campo baterão palmas. Em lugar do espinheiro crescerá a faia, e em lugar da sarça crescerá a murta; o que será para o Senhor por nome, e por sinal eterno, que nunca se apagará.” Is 55.12-13.

Embora seja muito mais confortável parecermos “legais”, por incrível que pareça, somo desafiados a ser santos; não “canonizados” após a morte dado o reconhecimento de dois milagres, como faz o catolicismo; antes, demonstrando em vida a eficácia de dois milagres: A salvação, e a santificação mediante o Espírito. Isso deve ser tão visível, quanto uma cidade edificada sobre um monte; radiante como a luz, relevante como o sal. “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” Mt 5.17.

Enfim, não há dificuldade com o passado de nenhum pecador; antes, com o presente de ministros que se esforçam mais em agradar aos homens que a Deus. A Palavra de Deus foi rejeitada em Moisés, em Josué, em Samuel, em Jesus, sobretudo; em Paulo… por que não o seria em nós?

Ainda assim, nosso papel é anunciar retamente a mensagem da graça que desafia o agraciado com um sonoro, “não peques mais”! Se gastarmos nosso tempo martelando a penha da doutrina para alargar o caminho estreito seremos inúteis a Deus e aos homens. Esperar da graça mais do ela dá, acabará em desgraça.