segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Perfeito amor



 
Por Maurício Zágari
Tenho lido e ouvido muitas coisas sobre o amor cristão. Vozes de todos os lados levantam as mais variadas teorias sobre como deve ser o amor entre nós, que pertencemos à família de Cristo. Já ouvi de tudo. E já vi de tudo. Adeptos de diferentes linhas são bem-sucedidos e malsucedidos em suas vidas amorosas ou afetuosas. Parece não haver a fórmula infalível da felicidade afetiva, que comprove na prática o que muitos defendem na teoria. Por isso fui às Escrituras tentar encontrar uma resposta. Não tenho a petulância de dizer "é assim" ou "é assado", mas podemos seguir pistas bíblicas que dão uma boa base para responder: afinal, como nós, cristãos, devemos amar?

O amor é algo divino. Quando João diz em sua primeira epístola que "Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele", vemos que amor não é invenção de filmes de Hollywood ou de livros água com açúcar para adolescentes, é uma verdade bíblica e celestial absoluta. O amor existe. E é algo que identifica-se diretamente com a essência do Criador. Tanto é assim que 1 Coríntios 13 nos dá o retrato falado do amor ágape, o amor celestial. Não, não podemos usar esse texto para escrever cartas apaixonadas para nosso namorado ou nossa esposa, o amor a que Paulo se refere aqui é o de Deus e não o dos homens: jamais a humanidade pecadora e imperfeita conseguirá amar desse modo. Na prática é simplesmente um ideal inatingível.

Apesar disso, podemos e devemos ver no amor de Deus um exemplo a ser seguido no amor entre os homens. Quando Jesus diz na famosa passagem de João 3.16, "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", uma coisa fica clara: o amor que agrada Deus é aquele em que quem ama abre mão de si pelo outro. É o famoso "amor sacrificial". É o mesmo princípio proposto por Paulo em Efésios 5, onde  lemos "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós". Logo em seguida, nesse mesmo capítulo, vemos a mulher sendo conclamada a submeter-se ao marido e o marido a amar a esposa como Cristo amou a Igreja. Em tudo aqui o que fica claro é o interesse da pessoa amada sendo posto acima do próprio interesse.

Isso traz implicações de proporções inimagináveis. Se você ama alguém vai fazer o que for preciso para que o outro seja feliz. Vai abrir mão do próprio bem-estar pelo do outro. Nem que para isso tenha de destruir sua própria imagem e abrir mão, literalmente, do amor-próprio para que quem se ama trilhe um caminho que será melhor para ele. Se o melhor para quem você ama exige que desconstrua o que ele/ela admira em você, meu irmão, minha irmã, faça. Desglorifique aos olhos do outro o que ele mais admira na sua pessoa. É preciso que quem você ama esteja por cima e você, por baixo, se preciso for. Não foi o que João Batista fez por amor ao seu primo - que ele sabia que era o Verbo? "Convém que ele cresça e que eu diminua" é uma regra sólida do amor bíblico. Por amor à humanidade Filipenses 2.7 mostra que Jesus esvaziou-se de sua glória. Dispa-se da sua também, se é necessário para que quem você ama fique bem.

O amor verdadeiro exigirá grande sacrifício e abnegação. Deus manda Abraão sacrificar o próprio filho, "a quem ama" (Gn 22.2),  para provar seu amor ainda maior pelo Senhor. Se Pedro ama Cristo precisa deixar tudo de si para cuidar das ovelhas do Mestre. Enquanto todos fugiram para cuidar da própria segurança, João, o discípulo amado, correu o risco de ser morto mas não abriu mão de ficar junto ao seu amigo durante toda a crucificação. Abrir mão de si pelo outro. Sacrificar-se. Desglorificar-se. Humilhar-se. Perdoar. Diminuir-se, se preciso for. Caso contrário não é amor bíblico.

O amor cristão necessariamente existe para a glória de Deus. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é uma regra elementar dentro dessa visão. Dizer que se ama Deus é fácil, difícil é fazer com que o amor ao próximo como a si mesmo seja fato perceptível. É impossível glorificar o Senhor se você não exerce o amor pelo próximo em atitudes práticas. Aquele que diz que glorifica Deus e ama o próximo, mas põe os próprios interesses acima dos das outras pessoas, não glorifica Deus nem ama o próximo. Quem desampara o próximo não glorifica Deus nem ama o próximo. É por isso que o egocêntrico não glorifica Deus nem ama o próximo: ama o próprio ventre. Crê que o outro existe em função de si. Esquece que Romanos 12.10 afirma: "Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros". E é muito fácil identificar quem não põe o outro acima de si e, portanto, não ama o próximo nem a Deus - e assim não o glorifica: o tal agirá sempre em seu próprio favor.

O amor bíblico também é belo. Cantares de Salomão nos mostra com clareza que Deus não nos propõe um amor de casamentos arranjados pelos pais ou desprovidos de um sentimento de profundo encantamento pela pessoa amada. Salomão era completamente embevecido pela amada e vice-versa. Amo a Deus não só porque racionalmente há razões para isso: eu o amo também porque Ele me deslumbra. Porque não há um dia sequer em que Ele deixe de atravessar meu coração. Nos períodos de minha vida em que razões variadas me fizeram cego a Cristo em meu coração e o mantiveram apenas na minha razão foi quando cometi os pecados mais torpes e vergonhosos de minha existência.

Não é porque o amor da ficção é romântico que isso desmereça o romantismo do amor verdadeiro. Amor não é uma decisão. Isso soa bacana e espiritual para os ouvidos, mas é um descompasso com a vida real e mesmo com o amor bíblico. Não fosse assim, como explicar declarações de amor como "Beija-me com os beijos de tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho" (Ct 1.2); "Eis que és formosa, ó querida minha, eis que és formosa; os teus olhos são como os das pombas. Como és formoso, amado meu, como és amável!" (Ct 1.15,16); e "Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor. A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace" (Ct 2.5,6)?

Marcos 10.21 nos mostra o encontro de Jesus com o homem que preferiu as riquezas do que dar seus bens aos pobres e seguir o Mestre. Racionalmente o Senhor tinha tudo para chamar aquele rapaz de "hipócrita" para baixo. Mas o sentimento de Cristo por Ele foi empático, compassivo, pulsante. Diz a Palavra: "Jesus, fitando-o, o amou". Sim, amor bíblico também é um magnífico sentimento. No episódio da ressurreição de Lázaro, Jesus chora de compaixão diante do sofrimento daquelas a quem amava, embora racionalmente Ele soubesse que iria ressuscitar o amigo e que o sofrimento cessaria. Mas o Cristo que despiu-se de sua glória não conseguia despir-se do coração derramado pelos seus irmãos. Deus amou Jacó e aborreceu Esaú (Rm 9.12) - explique-me esse amor pela razão, sendo que Jacó era um detestável trambiqueiro, mentiroso e enganador. Você é pai ou mãe? Tente convencer alguém de que seu amor por seu filho é apenas racional ou "uma decisão". Boa sorte com isso. Conheço pais de filhos nada amáveis que fazem tudo por eles - e certamente não o fazem porque é o certo a ser feito, mas porque são unidos por um sentimento profundo. Por que entre marido e esposa o sentimento também não deve ser considerado no ponto de partida? Por que o amor entre homem e mulher seria um mero ato que tem sua gênese no racional? E por que amar o próximo deveria desconsiderar afetos? Repare com atenção e perceberá que, em geral, pessoas mais cerebrais fazem muito menos pelos outros do que pessoas afetuosas. Por tudo isso, não vejo base bíblica para a teoria de que amor é, primordialmente e originalmente, apenas uma decisão.

Haveria muito mais a se dizer sobre o amor bíblico. Mas o resumo é que sou obrigado a concluir que, para que possamos dizer que alguém ama como Deus deseja, é preciso que seu amor seja formado pela tríade razão + ação + emoção. O amor bíblico é razão porque exige critérios no trato com o ser amado, como a opção racional de pô-lo em primeiro plano. O amor bíblico é ação porque exige atitudes práticas que demonstrem esse amor, como a negação e a diminuição de si mesmo em prol do outro. E o amor bíblico é emoção porque se quisermos amar como Deus precisamos sentir em nós o pulsar do sentimento magnífico que o Pai demonstrou ter pelas suas criaturas, o Filho por aqueles por quem morreu e o Espírito Santo por aqueles a quem estende sua maravilhosa graça.

Ame com esse amor. Pois embora nenhum homem seja capaz de amar com o amor ideal, buscar essa meta o aproximará mais daquele que é a fonte, a expressão máxima e a mais pura essência do perfeito amor.

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício.

Se não tiver amor…

Amor1 
Por Maurício Zágari

Minha filha ganhou de presente de aniversário um item de segunda necessidade e resolvi trocar na loja por um sapato, algo mais importante neste momento. A vendedora chegou dizendo que tinha o must da hora. Imaginei que fosse algo como uma sola especial, um formato ergonômico, qualidades realmente importantes, um avanço de fato significativo. Mas, para meu espanto, a grande novidade é que o sapatinho, além de ser cheio de lantejoulas e acender luzes a cada pisada, também muda de cor. Hm. Tá. Pisquei algumas vezes, olhei para a sorridente vendedora com olhar entre o estoico e o incrédulo e optei por outro modelo, que fosse apenas confortável e que estivesse uns dois números acima do que calça minha filha, para durar por mais tempo. Algo de fato útil. E não o que não acrescenta nada. Sapato que pisca? Que muda de cor? Para quê? Pensando nisso, me dei conta de que essa valorização de coisas desimportantes em detrimento das fundamentais não ocorre só na indústria dos calçados. No nosso meio vivemos o mesmo fenômeno.


Vamos pensar. Em primeira análise, um sapato serve para proteger nossos pés dos pedregulhos da caminhada, para evitar que uma topada quebre uma unha, para resguardar nossos frágeis pés dos danos que longos passeios lhes causariam. Só que o que está sendo valorizado neles são características que não têm a ver com nada disso. A Bíblia nos ensina que o cerne da nossa fé é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Mas o que tem estado sob os holofotes são aspectos secundários, que não mereceriam muito de nosso tempo.


Amor3Um exemplo: em vez de discutirmos o que temos feito para ajudar órfãos e viúvas em suas tribulações (que é, segundo Tiago, “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada”), estamos gastando horas e mais horas, por exemplo, em debates sobre a eterna querela “calvinismo versus arminianismo”. Outro exemplo: em vez de nos unirmos para encontrar o melhor caminho para discipular vidas, investimos nosso precioso tempo discutindo se crente pode ou não fazer tatuagem e usar piercing. E assim seguimos, gastando litros de saliva para defender nossos pontos de vista sobre temas que não mereceram nenhuma ou quase nenhuma atenção de Jesus.


Nos três anos em que passou ensinando, Cristo falou muito sobre arrependimento e perdão. Interessante é que nunca vi uma conferência teológica sobre o tema – mas já vi sobre questões como Missão Integral,  sobre “a Igreja relevante” (precisa de uma conferência para saber que a Igreja relevante é aquela que ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo?!) e outros temas do gênero. E, enquanto ficamos num interminável disse-me-disse sobre se embarcamos ou não em novidades, a Igreja segue em grande parte incompetente quando o assunto é perdoar e amar. E, entenda: quando falo “Igreja” não estou me referindo a uma quimera maligna e institucional à qual devemos nos opor como Quixotes contra moinhos de vento, tampouco a meia dúzia de líderes malignos e corruptos.


Ao me referir a “Igreja”, estou falando sobre eu e você. Pessoas.


A Igreja tem estado fora de foco. No Cristianismo, a teologia é fundamental e o sobrenatural é indispensável, mas muitos de nós estão perdidos entre teologismos sem vida e misticismos exagerados. Decoramos livros de duas mil páginas sobre se o Evangelho deve mudar de cor mas esquecemos de atentar para coisas simples, como se ele tem uma sola que proteja nossos pés na caminhada da vida. Ou perdemos tempo cobrando que o povo fique gritando “glória” na hora da pregação em vez de dirigir nossa atenção para se temos agido conforme a lâmpada para nossos pés.


Amor4Copiando Martin Luther King: eu tenho um sonho. Meses atrás, meu sonho era ver uma grande limpeza na Igreja: o fim da Teologia da Prosperidade, a extinção da heresia da confissão positiva, a pulverização das práticas neopentecostais esdrúxulas, a maturação do lado infantil da Igreja emergente, a erradicação do envolvimento da Igreja na política partidária, a destruição do sistema de celebridades gospel, a prisão de falsos líderes evangélicos que enganam o povo com suas campanhas estelionatárias,  a eliminação de teologias apócrifas e distorcidas e muito mais.


Só que meu sonho mudou. Pois parei. Suspirei. Respirei fundo. Pequei. Apanhei. Fui moído sob muitos aspectos. Travei longas conversas com o Senhor. E, com tudo isso, refleti. E cheguei à conclusão de que essa é uma guerra que, na sociedade pluralista e descentralizada em que vivemos, nunca terá fim. É tentar segurar o vento. Ou deter as águas de um tsunami com as mãos. Em outras palavras: é perda de tempo. Não somos mais a Igreja de 1.700 anos atrás, que resolvia suas disputas num concílio e decidia no voto se algo era heresia ou ortodoxia: o monstro de nossos dias tem muito mais tentáculos e, para se dobrar à verdade bíblica, depende muito menos de blá blá blá pseudoapologético e muito mais de oração. Muito menos de cansativos debates e muito mais de contrição. Muito menos de agressões e polêmicos manifestos on-line e muito mais da manifestação prática do fruto do Espírito nos relacionamentos.


A Igreja está com uma boca do tamanho do mundo para falar, mas com um coração do tamanho de uma formiga para amar.


Nos esquecemos que só Deus muda as coisas, mas, por vaidade, queremos nos tornar os paladinos do Evangelho. Triste Igreja nos tornamos, inchada em seu ego mas a léguas de distância daquilo que de fato muda o mundo. Hoje, concentro minhas energias no mais elementar do Evangelho: amor ao próximo. Vida de santidade. Perdão dos pecados. Ajuda aos necessitados. Jesus de Nazaré.


Amor5Depois de um período de quase um ano de reflexão, oração e leituras direcionadas das Escrituras, hoje acredito que Jesus está pouquíssimo interessado se eu sou calvinista ou arminiano, se sou adepto da Missão Integral ou não, se minha igreja tem cinco ou dez vitrais, se congrego com 50 ou 5.000 membros, e muitíssimo preocupado com o fato de eu dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, hospedar o forasteiro, vestir quem está nu, visitar o enfermo, ver o presidiário. Não adianta querermos combater sistemas de pensamento e doutrinas teológicas aviltantes enquanto ao nosso lado um pobre morre de fome, um pecador é abandonado pelos irmãos, um doente padece solitário, um órfão chora de frio, uma viúva pede esmolas nas janelas de nossos carrões com ar-condicionado, um perdido caminha a passos largos para as trevas. Primeiro o que vem primeiro e depois o resto.  Jesus veio à terra para estender a mão. Mas e nós? Temos feito isso? Ou temos investindo nosso tempo em debater qual é a melhor forma de estender a mão enquanto a mantemos encolhida?


A vaidade humana impera entre nossas lideranças. A arrogância teológica impera entre nossos acadêmicos. O ambição por poder e dinheiro impera por trás das paredes de muitas igrejas. O amor ao próximo e a preocupação com os outros mais do que conosco mesmo desapareceu enormemente da cristandade. Amamos o próximo quando e conforme nos convém. Valorizamos o outro quando nos interessa. Estendemos a mão para quem tem algo a nos oferecer. Essa é a igreja falida.


Amor2A Igreja pulsante e viva não tem lantejoulas ou luzes pisca-pisca. Ela tem um solado firme de amor ao próximo. Não perde seu tempo com discussões intermináveis ou com vaidades teológicas, mas se dedica a abrir mão de si pelos outros. Não se preocupa se o que amarra melhor é um cadarço de algodão ou sintético, mas sim com a busca da santidade. Aliás, cadarço para quê?


Só o que peço a Deus é que nunca deixe morrer em meu coração esse amor. Amor por Cristo, expresso em amor pelo próximo. Glória ao Pai, expressa em amor pelo próximo. Louvor ao Espirito Santo, expresso em amor pelo próximo. Quero um sapato simples. Pode ser de tiras de couro bruto, solado rígido e sem tingimento. Os sapatinhos com lantejoulas e luzes brilhantes deixo para os vaidosos e aqueles que querem ver seus nomes em letras de neon e suas fotos em banners e cartazes. Para os arrogantes donos da verdade. Aqueles que glorificam os holofotes enquanto dizem “Soli Deo Gloria” da boca para fora. Que fazem o que criticam. Que não agem como pregam. Que tomam todas as decisões pensando somente em si. Que são a expressão do século 21 dos fariseus da época de Jesus. E falo com conhecimento de causa, porque eu já fui assim. Já corri atrás do vento, vivi de forma hipócrita e me preocupei com o que não é pão. Basta.


Amor. E que Deus nos livre de tudo o mais.

O incompreensível amor de Deus

 
Por Maurício Zágari
Ultimamente tenho meditado muito sobre o amor de Deus. Tenho lido sobre sua graça e sobre seu perdão, que são frutos de seu amor. Um amor tão mal-compreendido, tão humanizado em nossos louvores e concepções.  Algo tão acima da capacidade humana - de compreender, aceitar, reproduzir. A maior e, provavelmente, única forma que o ser humano tem para se aproximar do amor de Deus é vivenciando, experimentando, sendo alvo desse amor. E quando conseguimos, quando sua suave presença nos alcança, sentimos o seu perdão sobre nossa multidão de pecados e a concepção que temos sobre Cristo e sobre seu relacionamento conosco muda totalmente: entramos numa nova dimensão na nossa caminhada de fé. E nos tornamos, creio eu, cristãos melhores.

As duas passagens principais que falam sobre o amor de Deus são as as conhecidíssimas João 3.16 e 1 Coríntios 13. Tenho aplicado nos últimos tempos em minha vida o método de leitura da Bíblia de meditar por vezes uma semana um único trecho, estudar sobre ele em fontes diversas, deixar-me "engravidar" daquela passagem e das lições e virtudes ali contidas. Fiz isso em João 3.16, pois esse versículo é repetido tantas vezes nas igrejas que sua magnitude se banaliza e chega a passar despercebida por nós. Leia com atenção e vamos até além, ao normalmente ignorado versículo 17:  "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele". Que extraordinário. Que sublime. Que humilhante.
 
Deus amou a mim e a você de tal forma que por isso abriu mão de sua glória celestial, de estar assentado no trono sendo louvado dia e noite pelos anjos, para vir à terra, sentir frio, calor, dor, desprezo, acusações, solidão, a coroa de espinhos, o açoite, a Cruz. E qual foi a única razão que o levou a isso? Dar a seres pecadores, desprezíveis, falhos, desobedientes, egoístas e rancorosos a vida eterna. Ou seja: Deus amou a mim e a você tanto que abriu mão de castigar-nos com o fogo que nunca se apaga, como seria justo, para exercer a misericórdia, sacrificar-se e, assim, conceder-nos vida eterna: o direito de passar os bilhões de anos que virão pela frente junto a Ele. Em outras palavras, o amor de Deus fez tudo isso para que nós pudéssemos estar juntos por toda a eternidade, glorificando seu santo nome.

O Filho, ao encarnar-se, sabia que viria por quem não o merecia. Eu não mereço o amor do Senhor. Pois pequei e destituído estou da glória de Deus. Não, não mereço. Mas mesmo assim Ele olhou para este saco de ossos, pele, defeitos, doenças, podridão que eu sou e... me amou. Quem entende? Só entende quem compreende a graça. Esqueça as frases feitas que você responde de bate-pronto: "O que é graça?". "Favor imerecido". Ok, sabemos disso. Mas vamos tentar parar e refletir mais profundamente sobre esse conceito.
 
Graça é Jesus, o Santíssimo, o Puríssimo, o Cordeiro sem mancha... fazendo-se como alguém nada santo, nada puro, cheio de manchas, justamente para trazê-lo para si e dizer: "Apesar de tudo isso, se te arrependeres, ainda assim terás o meu perdão, esquecerei teus erros, desafiarei como teu advogado junto ao Pai que atirem a primeira pedra e estaremos juntos no Paraíso". Chegam a vir lágrimas nos olhos só de pensar nisso. O conceito de graça desafia nossa inteligência, nosso senso de justiça, tudo o que é humano. Pois somos ególatras, vingativos, rancorosos, imperdoáveis. Somos impiedosos. Literalmente: sem piedade. Somos o contrário exato de Cristo. O pecado que carregamos dentro de nós nos desfigurou a esse ponto. É por isso que dependemos tanto da soberania do Senhor: porque somos tão opostos que sem Ele nada podemos fazer.

O versículo 16 por si só já é magnífico, por revelar o caráter do Cordeiro. Um caráter traduzido em domínio próprio. Mansidão. Fé. Bondade. Amabilidade. Paciência. Paz. Alegria. E... amor. E no versículo seguinte vem a coroação: "Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele". Isso me emociona. A humanidade é uma desgraça. Eu e você somos atoleiros de pecados. Somos o vômito do cão. Somos dignos do inferno. Quem discorda disso não entendeu o que o pecado fez com o gênero humano, como nos tornou totalmente depravados e como somos o avesso de Cristo. Merecíamos, todos nós, o veredicto: CULPADO. Não adianta, meu irmão, minha irmã, eu e você nascemos com esse veredicto escrito em nossas testas. Nossa sentença deveria ser a mesma do diabo: o lago de fogo e enxofre. Mas aí... entra em cena o amor de Deus.
 
E esse amor diz que Cristo não veio para dar esse veredicto. Que Ele não veio julgar. Não veio nos condenar. Jesus não veio à terra com prego e martelo nas mãos para nos executar - como merecemos - e nos crucificar. Ele veio com as mãos e os pés expostos em oferta para que eu e você fossemos salvos por ele. Meu Deus, que amor incompreensível! Nós não sabemos nem dar a outra face, nascemos com gosto de sangue e de rancor na boca, enquanto Ele estendeu seu amor, como se dissesse: "Não mate o culpado, mate a mim, o inocente, eu me dou no lugar dele. Eu o perdoo. Eu não o condeno. E, com isso, eu o salvo. E que creiam nisso, para que este meu gesto permita o que eu mais quero: estar a eternidade ao lado dele - desse grande pecador arrependido pela minha graça".

Não tenho como descrever, definir ou explicar o amor de Deus. Sinto-o apenas em ação, no perdão que ele me estende. O que eu fiz para merecer isso? Absolutamente nada. Nem mesmo crer nele é mérito meu, visto que o arrependimento dos meus pecados é fruto da atividade daquele que convence do pecado, da justiça e do juízo. Deus me estende a graça. Deus me dá a fé. Deus me convence do pecado. Deus intercede por mim como advogado. Deus me regenera. Deus me justifica. Deus me põe de pé. Tudo vem de Deus. Tudo. A mim resta agradecer, louvar e adorar por esse amor. Do qual tenho absoluta certeza que não sou digno.

1 Coríntios 13 apenas corrobora tudo isso. Ao contrário do que muitos pensam, o amor ali descrito não é o humano, é o ágape, o amor de Deus. Usar 1 Coríntios 13 numa carta para sua namorada, por exemplo, é um erro de interpretação bíblica. Venha lendo desde o capítulo 12 e no contexto verá que está sendo falado sobre os dons de Deus. E esse capítulo descreve o amor de Deus. Nenhum, absolutamente nenhum humano ama ou é capaz de amar daquela maneira. Só Deus. Só Deus.
 
Que o Cordeiro seja glorificado por esse amor, traduzido na graça que nos permitirá passar a eternidade ao lado dele... amando. Como será a vida eterna após a morte para os salvos? Não sei com certeza. A Bíblia dá algumas pistas. Mas de uma coisa tenho certeza: os eleitos de Deus viverão pelos séculos dos séculos experimentando o amor mais inexplicável que existe e já existiu em todo o universo. Um amor que hoje tem forma de Cruz, mas na eternidade terá forma de um homem com mãos e pés furados e os braços abertos para os arrependidos.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.